Tuesday, July 24, 2007

Filme, Um Corpo que Cai (Vertigo, EUA, 1958)

É uma dessas obras que qualquer pessoa que diz amar o cinema deve assistir várias vezes, tanto por suas várias interpretações possíveis, como pelos detalhes que a compõem - gostando ou não da pélicula.

É um sonho filmado, narrado; um estudo sobre obsessão, sobre amor – mas acima de tudo um filme de suspense, dividido diria em duas partes, narrativas completamentes diferentes, que despertam distintas sensações que fazem da experiência para quem assiste ao filme, muito mais intensa e misteriosa - tanto pelo clima de mistério e terror, como pela espera do clímax do romance, que pode ou não acontecer e pela desconstrução dos personagens principais da trama.

Atenção especial para discreta movimentação da câmera: Não é objetivo dela aqui se portar de forma que desvie a atenção do expectador, sendo assim a maior parte do tempo ela se configura com planos gerais, sempre com uso de muita profundidade de campo. O uso da câmera subjetiva aparece muito principalmente na primeira parte do filme, onde somos cúmplices do protagonista e sabemos tanto quanto ele, seguindo e descobrindo as coisas através dos olhos dele.
E por essa movimentação discreta, o ritmo do filme acaba por ser lento, natural e contemplativo; dando ao espectador um tempo maior de “digerir” os acontecimentos. Até a forma em que os cortes se configuram são discretos, nunca nos tirando de vista do que é mais importante para o filme – a história e seus personagens.


Escondem-se também efeitos técnicos, truques de câmera e manejo das luzes que se apresentam de forma inovadora na forma de percepção do filme, que configurados estrategicamente nos fazem refletir sobre a estética deste de forma mais apurada – como o uso do zoom e dos filtros, das luzes da fotografia.
Um travelling para trás, combinado com o efeito do zoom-in – tem-se o efeito da vertigem do personagem principal, que é muito convincente e é mostrado sempre em momentos cruciais da trama.


As músicas compostas para este filme por Bernard Hermann são outro espetáculo a parte.

Os personagens da trama são também outro grande trunfo desta obra. Todos foram concebidos de tal forma, que ao decorrer da trama, a desconstrução deles é encarada de forma nova, sucinta – nós não entendemos o que está acontecendo. Não sabemos os limites deles. Não sabemos até onde John vai com sua obsessão e nem até onde Madeleine vai com seu amor_

- cuidado se você não viu o filme e não gosta de saber o final:

*Madeleine é configurada como uma mulher misteriosa, a loira fatal, atormentada até então por espíritos (?) dos seus antepassados. E então ao morrer conhecemos Judy – que era a falsa Madeleine, cúmplice de um crime perfeito, joga tudo para o alto em nome do desejo de ser amada por John, verdadeiramente. E John, o detetive cheio de traumas que sofre de acrofobia, que literalmente fica obcecado e cujos desejos de recuperar o passado, de recuperar o erro são maiores do que ele. Ele já era culpado pela morte de seu colega de trabalho, e agora o trauma de negligenciar a morte de Madeleine. As cenas dele tentando encontrar o mesmo vestido de Madeleine para Judy são constrangedoras – nós realmente não sabemos até onde aquele homem cheio de traumas pode ir, principalmente agora, que sabemos que Judy era na verdade Madeleine. Talvez se John optasse ficar ao lado de sua ex-namorada Midge, as coisas não teriam sido tão difíceis – é como se a trama também tentasse dar uma lição de moral em homens que procuraram mulheres padrões (belas, cinematográficas) Midge usa óculos, se veste mal, é artista (trabalha) e também é apaixonada por John.

Um Corpo que Cai é uma história de amor triste, sobre a obsessão, a morte, o amor idealizado e com um final trágico. Obra rara que pode ser lida de diversas maneiras, cada fragmento com suas jogadas psicológicas, com pontos de vista da narrativa sendo configuradas de forma a manipular os leitores da obra audiovisual, cada momento. Como um espiral, como uma vertigem – que nunca acaba.

1 comment:

André Setaro said...

Belo comentário, João, que faz ver o quanto você gosta de cinema.